LÉO LINS: O COMEDIANTE CONDENADO À PRISÃO POR FAZER PIADAS
A história de censura no Brasil é longa...
Em 1986, no Brasil pós redemocratização e antes da promulgação da Constituição Cidadã de1988, o filme "Je Vous Salue, Marie", do famoso diretor Godard, foi censurado por abordar a Santa Maria de uma maneira satírica e irônica.
A história da produção é a
seguinte: Marie é uma estudante que trabalha em um posto de gasolina do pai e
gosta de jogar basquete. Joseph é seu namorado e dirige táxis por Paris dos
Anos 80. Marie, então, recebe a notícia de um estranho de que será mãe. Ele se
chama Gabriel, e é um senhor bruto, fumante, sincero e que anda de taxi. Ao
saber da gravidez, Joseph a acusa de infidelidade, já que não tinham qualquer
ato sexual por 2 anos. O filme tem várias cenas de nudez, com um ginecologista
atestando a virgindade de Marie. Por fim, Jesus nasce.
Houve, com o lançamento do filme,
uma grande pressão popular por parte da comunidade católica para que o filme
fosse censurado, o que foi referendado pelo então presidente Sarney. O filme
foi confiscado e proibida sua circulação. A comunidade católica estava feliz.
Ora, um filme que aborda Maria como um sacrilégio é uma blasfêmia! Onde já se
viu fazer isso em um país que tem o Cristianismo como religião oficial? Logo um
país já acostumado pela censura e que nem lutou pelo fim do AI-5 ou nem fez as
Diretas Já...
Porém, o filme seria
"livre" dois anos após, com a promulgação da Constituição Federal de
1988 e o fim da Divisão de Censura de Diversões Públicas da Polícia Federal,
que aboliu a censura prévia.
Em 2025, 39 anos após a censura
do filme de Godard, o comediante Léo Lins é condenado a 8 anos de prisão por
realizar piadas em um palco propício para o Stand-Up Comedy e que as pessoas
pagam para assistir o humorista realizar sua arte.
A razão da possível prisão seria
o teor das piadas. De acordo com um trecho extraído de uma notícia do
Metropoles: "Sobre gordofobia, afirmou: 'Fobia é medo. Medo de
gordo? Só se eu fosse feito de Nutella.' e ainda ironizou: 'O aparelho de leg
press está andando… um Transformer veio malhar?' ".
Ao realizar uma breve pesquisa nas redes do Léo Lins, conseguiu observar que o
humorista possui um quadro ao final dos shows chamado "Fritada", do
qual vão pessoas da plateia para serem zoadas. Nesse caso, não há ofensa na
honra, já que, a proposta do Leo Lins é caçoar dos voluntários, assim, as
pessoas que participam do quadro, em tese, atestam as piadas e as permite,
independentemente do teor.
Quem ajuizou contra o comediante
não foi alguém da plateia que se sentiu ofendido. Foi uma pessoa de fora. Além
disso, qualquer coisa tirada de contexto pode se tornar algo a ser
criminalizável.
O Contexto dessa imagem é a de Renata Sorrah sequestrando um bebê. Sequestrar
um recém-nascido, penso eu ser crime. Portanto, devemos criminalizar a atriz
Renata Sorrah pelo personagem feito em novela, uma forma de expressão
artística? Uma coisa é o personagem Léo Lins, interpretado pelo comediante de mesmo nome, outra coisa é a pessoa por detrás do personagem. A justiça, ao confundir ficção com realidade, quer prender a pessoa Leonardo achando ser o mesmo do personagem Léo Lins. Em todos os shows do humorista está explícito ser Humor, Ficção, Obra Teatral.
O que mais vejo é que o
"Direito" do "Estado Democrático de Direito" está sendo
trocado pelas paixões das pessoas. O Direito é racional, e não passional. A
judicialização de tudo confunde a aplicação das normas com o desejo das partes
ofendidas de se vingarem diante de uma suposta lesão a elas. O que mais me
assusta e me dá medo, como jurista, é o futuro do Direito no Brasil, com advogados
e juízes que não sabem interpretar e discernir o que é ficção e o que é
realidade. Eu temo pelo futuro.
O humor, de acordo com o
Psicanalista Lacan, é uma forma de enfrentar o Real, é uma defesa psíquica.
Pode ser uma forma de resistência e subversão social, desafiando as normas
estabelecidas.
O Léo, em seu show, tem uma piada
que tirada de contexto ficou assim: "Quero ver essas pessoas que defendem
o pronome neutro voltarem 200 anos no tempo e, quando o senhor de engenho
estiver chicoteando o escravo, dizer: 'não é escravo, é escrave!. "
Retirado de contexto, soa um absurdo. Porém o contexto geral é o seguinte:
"As pessoas que defendem a imposição do pronome neutro falam que é para
acabar com a violência contra os não binários. Porém, Quero ver essas
pessoas que defendem o pronome neutro voltarem 200 anos no tempo e, quando o
senhor de engenho estiver chicoteando o escravo, dizer: 'não é escravo, é
escrave! O absurdo da violência da escravidão nunca ia acabar com mudança de
pronome."
Conseguem perceber a diferença?
Como que uma piada pode suscitar uma crítica? Segundo o humorista, você não
pode acabar com a violência mudando um pronome, isso vai alterar em nada a
violência. A escravidão acabou, apesar de ainda existir resquícios, com a luta
de milhões de negros, abolicionistas, políticos para promulgar a Lei Áurea.
Assim, a imposição do Pronome Neutro poderia, até, suscitar mais violência.
Outra piada, que muitos pegaram como exemplo, a ser abordada somente no contexto difundido: "Que coisa horrível usar os negros como escravo. Graças a Deus isso acabou. Agora usamos os bolivianos". Segundo a mídia, isso é um ato de xenofobia, porém, Léo está trazendo à tona a perpetuação da escravidão, agora para com bolivianos. Ou seja, a repressão continua, mas agora para outro alvo, que não é visibilizado.
"O Humor Ácido incomoda porque corrói a camada de falsidade que protege a hipocrisia".
"O humor acontece quando ouvimos a verdade rápido demais", as pessoas preferem ficar na matrix fingindo que está tudo bem, ao invés de ver a realidade nua e crua e suscitar crítica. As pessoas hoje não querem vislumbrar a realidade, mas negá-la.
Agora, vamos para outro contexto:
Este é um show do MC Poze do Rodo
em uma comunidade da Cidade de Deus. A letra de uma de suas músicas, em
contexto geral é a seguinte:
Retornando ao contexto do Show do
Léo Lins temos a seguinte foto:
Quero que você leitor, após a apresentação da piada do Léo Lins em contexto geral e a exposição de fotos de seus shows, compare com o contexto em que o show do MC Poze do Rodo ocorre a com a finalidade de sua letra.
O MC canta o que vê, de maneira acrítica ou crítica, ou vangloria o tráfico de drogas e a existência do Comando Vermelho? Quem, de fato, reproduz esteriótipos que geram a morte de milhares de crianças e jovens periféricos no Brasil? Quem apoia e faz shows sob locais em que há ocorrência de crimes, como tráfico de drogas e porte ilegal de armas? Quem reproduz o racismo estrutural, de modo a continuar a mostrar o jovem preto e periférico da favela como um elemento a ser criminalizável pelo Estado?
O MC Poze não é um personagem ficcional, seus shows não ocorrem em teatros ou em espaços para exposição de obras teatrais ou ficcionais.
A piada não gera mortes, não ceifa o futuro de diversos jovens marginalizados que não podem ir para a escola por haver troca de tiros entre traficantes e policiais. Não é a piada do Léo Lins que coloca armas em jovens pretos ao invés de livros. Não é o show do Léo Lins que tira o sono de diversos idosos moradores da comunidade que queriam dormir tranquilamente, mas têm que conviver com tiros para o alto e venda de drogas ao lado de sua casa. Não é devido o humor ácido e crítico do Léo Lins que a polícia sobe o morro e leva tiro de traficante.
Não se está aqui propondo uma criminalização do funk nem da periferia e sequer dos MCs. O problema não é a música, mas o contexto em que a reprodução desta arte ocorre e as consequências expressas.
De acordo com a teoria do Racismo Estrutural de Silvio Almeida, o racismo é reproduzido por meio de elementos simbólicos que marginalizam e inferiorizam a população preta. Segundo Mbembe, em Necropolítica, o Estado seleciona áreas a serem criminalizadas e pessoas a serem criminalizáveis, sendo aquelas a favela e estas o jovem preto marginalizado.
Enquanto que, em "Racistas
Otários" (cuja parte da letra estará abaixo), o Racionais MC faz uma
crítica expressa ao Racismo e, mesmo tendo seus shows em comunidade, traz
palavras de superação como em "A Vida é Desafio" ou "Eu Sou
157", em que narra a trágica história de uma tentativa de assalto, o MC
Poze do Rodo tenta combater o racismo entregando presentes para as crianças,
vangloriando o Comando Vermelho - faccção criminosa do Rio de Janeiro - e
criticando a opressão do Estado na Favela morando em uma luxuosa casa do
Recreio dos Bandeirantes. A favela não vence quando um sai, pensar assim é pura
meritocracia. A favela vencerá quando não for vista mais como local onde
residem traficantes, onde há criminalidade ou seres criminalizáveis. Apologia
ao crime não é arte, mas é apoiar um cenário triste e caótico que ceifa
oportunidades de milhares de jovens que não possuem escola devido a
seletividade Estatal de impor educação a alguns e não educar outros.
Racistas Otários...
Em Conclusão, uma pessoa que vislumbra a crítica diante de problemas e situações populares, a fim de trazer o riso e a alegria é criminalizado, enquanto que outrem que reproduz o racismo estrutural é solto e vangloriado por multidões. Enquanto que MCs produzem "Cracolândia", para que as pessoas reflitam sobre o uso de drogas, que acabam com vidas, outrem produz músicas apoiando o tráfico de drogas.
São dois lados e duas medidas.
Porém, no Brasil, o Pão e Circo devem continuar...
É ótimo para a Elite e para o Estado Burguês termos elementos a serem criminalizáveis, tanto por comporem o hall de esteriótipos racistas, ou por incitarem crítica aos absurdos cometidos pela máquina pública. Porém, enquanto aquele legitima o aparelho repressivo do Estado, este é uma subversão à máquina de poder impetrada pelos governantes.
Humorista Leo Lins fala sobre censura, estilo de suas piadas e repressão
Caso Léo Lins: opinião da Band News
"Se rir virou crime, a regra se torna o silêncio".

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