O debate da escala 6x1 e o Direito.
O debate atual da redução ou não da jornada de trabalho possui total relação com a realidade jurídica pela qual o Direito do Trabalho vive, de contínuo abandono e fragmentação. Se, em outrora, tínhamos uma classe trabalhadora viva e consciente de si, hoje ela está diluída e competitiva, por ser vencida pelos dilemas do capital.
O presente artigo, escrito no fim de 2023, está para relacionar o enfraquecimento do movimento trabalhista com as relações jurídicas da contemporaneidade. Não é a toa que os direitos trabalhistas conquistados correm constante ameaça de extinção: o cenário está intrinsicamente relacionado com uma nova fase do capitalismo e das elites em, aproveitando a desmobilização dos trabalhadores, aumentar seu lucro tendo em vista a destruição das garantias trabalhistas.
Artigo publicado no IV Seminário Crítica do Direito e Subjetividade Jurídica: Novo marxismo e crítica das formas sociais;
O DIREITO E A SUA RELAÇÃO COM A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Lucas Paulo Tavares R. de Oliveira - Autor
RESUMO:
O presente trabalho visa responder à seguinte questão: de que forma o Direito influencia
no processo de precarização do trabalho? Para tal, são utilizados dois argumentos.
O
primeiro decorre da constatação da ordem jurídica como sendo um aparato do Estado
Burguês para atender seus interesses econômicos e sociais. O segundo analisa os direitos
trabalhistas no caso brasileiro como sendo efeitos diretos de um plano de governo
paternalista, no qual corroborou para a formação de uma classe trabalhadora passiva e
alheia na luta por melhoria de sua condição. A metodologia trabalhada é, em abordagem,
a dialética, e em seus procedimentos, a histórica e a comparativa, como também o uso de
pesquisa científica bibliográfica.
Diante do cenário apresentado, o objetivo principal do
trabalho é apresentar argumentos que possam contribuir para o debate acerca da
precarização atual do trabalho.
Palavras-chave: Direito e Marxismo, Precarização do Trabalho, Ideologia
INTRODUÇÃO
O objetivo do presente trabalho é analisar o axioma e os fenômenos que estão
ocorrendo no mundo do trabalho atual e, através deles, entender o caráter burguês do
Direito e como ele se fundamenta através da divisão do trabalho e do modo produtivo
capitalista. Também será apresentado de que forma os trabalhadores sob demanda
tornam-se os trabalhadores por peça contemporâneos.
Além do mais, o método de abordagem a ser utilizado é o dialético, pelo fato de
levar a uma “interpretação dinâmica da realidade”, no qual “não há fatos isolados e,
portanto, não podem ser compreendidos se considerados isoladamente” (Henriques,
Medeiros, 48, 2017). A metodologia de procedimento se dará por meio da técnica
comparativa e historiográfica. Com fim, o estudo é um projeto de pesquisa científico
bibliográfico.
A finalidade da utilização de tais métodos é, no caso da análise Marxiana através
da ilusão do salário e do trabalho por peça, constatar sua atualidade em torno da
informalidade do emprego consequente de uma economia de compartilhamento e da
terceirização do trabalho. Analogamente, o entendimento de que “o direito” interpretado
tão somente como um conjunto de normas objetivas é “uma abstração sem vida” e que “a
relação jurídica entre os sujeitos é apenas o outro lado das relações entre os produtos do
trabalho tornados mercadoria”(Pachukanis, 97, 2017) corrobora ao entendimento de que
a jurisprudência é tão somente a vontade burguesa posta em ação, aliada a tudo que a
fundamenta no poder (Marx, Engels, 2020) e, logo, não será a responsável pela melhoria
das condições laborais.
Assim sendo, a hipótese a ser trabalhada é a de que a precarização do trabalho é
consequente de uma legislação concordante com o desenvolvimento capitalista que visa
o aumento do lucro e a necessidade pela flexibilidade dos capitais e, assim, do próprio
labor. Além disso, em âmbito histórico comparativo, será analisado de que forma a
Consolidação das Leis do Trabalho, no Brasil, no período de Vargas, corroborou para um
caráter paternalista de Estado, incentivando um processo de passividade social que
facilita a retirada de tais direitos perceptível na desmobilização operária atual e no
processo de “dessindicalização”(Diniz, 2021).
Portanto, entender de maneira dialética a realidade no qual é fundamentada a
precarização do trabalho e todo fenômeno de terceirização como o de transformação dos
trabalhadores em sob demanda, é fundamental para entender o processo que corrobora,
tão somente, no aumento da exploração capitalista sob os proletários.
DESENVOLVIMENTO:
O mundo contemporâneo passa por várias revoluções tecno-financeiras. A
velocidade das técnicas e do tempo corroboram para a globalização dos lugares,
unificando-os. A automação e mecanização, respectivamente, dos primeiro e segundo
setor da economia brasileira necessitou de mão de obra qualificada para os postos de
trabalho. Com efeito, a massa trabalhadora que não se encaixava nos requisitos teve de
ser remanejada a um trabalho que não necessitasse de alta qualificação (Diniz, 63-66,
2021).
Assim sendo, ocorreu o processo de terciarização, ou seja, o setor terciário da
economia foi o responsável de absorver essa massa de trabalhadores que, no âmbito do
exército industrial de reserva, formaram uma subclasse refém do desemprego e à deriva
da precarização.
Além do mais, ainda no âmbito da globalização, a acumulação flexível de capitais
se apoia na flexibilização dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos
produtos e dos padrões de consumo (Diniz, 2021). Consequentemente, outro fenômeno
veio à tona em conjunto com o processo de terciarização, o da terceirização. Ele consiste
na existência de uma empresa tomadora de serviços e de uma empresa fornecedora de
tais serviços. Esta empresa contrata mão de obra para fornecer àquela. Todavia, o
trabalhador, nesse meio termo, não possui vínculo empregatício para com a empresa na
qual realizará os serviços. Com base nesse cenário, em 2017, no Brasil, foi aprovado o
Projeto de Lei 4.302/1998, que possibilitou a terceirização tanto nas atividades-meio
quanto nas atividades-fim.
No mesmo ano de 2017 a empresa Uber do Brasil Tecnologia LTDA chegou ao
Brasil, apoiada pela economia de compartilhamento. Esta nova forma econômica
introduzida no campo das relações laborais originou “uma nova forma de consumo na
qual as pessoas preferem alugar, compartilhar, pegar emprestado ao invés de comprar”
(Bonfim, 14, 2023). Com efeito, a relação de “parceria” que é passada pela Uber aos seus
empregados, que são tidos como “trabalhadores autônomos” pela empresa tem
revolucionado o mercado de trabalho. O que torna-se perceptível é de que essa
pseudoliberdade transpassada pelas empresas fornecedoras de serviço atuais e que
contratam sob demanda está carregada de trabalho intermitente e precarizado (Bonfim,
43, 2023).
Essa mistificação laboral é carregada pela autovalorização do trabalhador acerca
de seus direitos fundamentais ao ressaltar sua liberdade e autonomia, além de tratar o
serviço disponível como benevolência do contratante. Estes aspectos citados são
decorrentes da ilusão do salário, no qual o operário, na condição jurídica de trabalhador
livre e de sujeito de direitos, o leva a imaginar que toda a jornada de trabalho é jornada
de trabalho paga. A relação é fetichizada pela relação monetária, no qual o dinheiro
recebido pelo salário é entendido como todo valor gerado e não o recebido pela força de
trabalho vendida e pelo trabalho necessário, o mínimo para a garantia da subsistência do
trabalhador. O empregado é assim, na sociedade capitalista, uma mercadoria, objeto de
troca, mas, pela ideologia produzida e pela mistificação jurídica e laboral, se entende como
livre e não percebe a exploração sofrida (Marx, 2022).
Com base na teoria Pachukaniana em que “a forma jurídica em sua forma mais
desenvolvida corresponde às relações sociais burguesas capitalistas”, é possível
compreender a razão pela qual “toda relação jurídica é uma relação entre sujeitos”
(Pachukanis, 117, 2017) e a de que quando o sujeito é um trabalhador dele ser tido como
livre. Ora, a constatação do parágrafo anterior denotou o “trabalhador mesmo como um
capital, uma mercadoria” (Marx, 100, 2022). Assim, é de imensa importância mistificá-lo
perante sua situação de explorado, formando substratos ideológicos através da própria
relação produtiva com nomenclaturas e aparatos jurídicos que o torne aparentemente
livre e com aparentes garantias de liberdade e segurança jurídica. “O trabalho produz não
apenas mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isso
na proporção que ele produz mercadorias em geral” (Marx, 74, 2022).
A modalidade do trabalho por peça, como tratado por Karl Marx (2022) mede o
trabalho despendido pelo trabalhador relativo ao número de peças que produziu ou pelo
serviço que ofertou. Todavia, apesar de ser pago por “peça”, o trabalhador depende
diretamente da empresa para quem vende seus produtos ou dinheiros. Ou seja, tal
realidade somente ocorre quando há subordinação jurídica e contratual com outra
empresa. Além do mais, a redução substancial do trabalho supervisionado de maneira
panóptica, como exercido nas empresas clássicas pelos seus chefes denota a principal
razão pela ilusão de liberdade e autonomia.
No caso dos trabalhadores do Uber, o carro não é o meio de produção, somente o
é quando ligado ao sistema Uber. Houve, então a terceirização do próprio meio em que o trabalhador utilizará para exercer suas funções laborais. O principal meio de produção,
então, é o sistema Uber, que expande o processo de terceirização para retirar-se do
custeio pelo próprio carro, aumentando ainda mais a possibilidade de lucro. Todavia, por
ser uma empresa tomadora de serviços sob demanda em torno de um país com alto
desemprego, a massa de trabalhadores sempre se renovará e, assim, mesmo que um se
acidente e perca a possibilidade de vender seu serviço, outro logo se disponibilizará para
repor, e assim girar a roda econômica.
Portanto, afastar os trabalhadores sob demanda de um vínculo formal de emprego
denota um propósito único: o de aumentar o lucro dos empresários donos das empresas
de serviço de aplicativo. Na prática, o tempo em que a força de trabalho é vendida por
determinado período entre os trabalhadores de serviços é confundível aos formais, de
CLT, pelo contrato de trabalho intermitente (Bonfim, 37, 2023).
CONCLUSÃO:
Como apresentado, o Direito moderno corresponde intrinsecamente aos desejos e
anseios da classe detentora dos meios de produção de produzir capital e, além de tudo, se
manter no poder.
Também foi observado que o trabalho uberizado, por não deter vigilância
panóptica, é o mais suscetível de, pela mistificação laboral da autonomia, ocupar o
trabalhador intermitentemente. No caso da realidade dos terceirizados é observável que
a não percepção do chefe dificulta a sindicalização, como também a desmobilização social.
Além do mais, em ambos os casos, pela despersonalização laboral jurídica, estão à deriva
da garantia de direitos trabalhistas.
Logo, a análise da realidade laboral atual brasileira em conjunto com o caráter
ontológico do Direito são fatores primordiais para um estudo jurídico do caso. Com efeito,
o estudo historiográfico de como se desenvolveu os direitos trabalhistas no Brasil é
fundamental para compreender as razões pela inefetiva e desmobilizada classe operária
perante os furtos às suas garantias jurídicas laborais. Aliás, a presença e o trabalho dos
argumentos apresentados podem fornecer o substrato para uma teoria de superação de
tal realidade ou de prever os problemas da continuidade do processo de precarização
social do trabalho.
Deve-se ressaltar que o trabalho está em desenvolvimento, como a confirmação
das hipóteses ou não.
REFERÊNCIAS:
DINIZ, Janguiê. O Direito e a Justiça do Trabalho Diante da Globalização. 1° ed. Barueri, SP.
Novo Século Editora, 2021;
HENRIQUES, Antonio; MEDEIROS, João Bosco. Metodologia científica na pesquisa jurídica.
9° ed. Rio de Janeiro, RJ. Grupo Gen-Atlas, 2017;
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos de 1844. 1° ed. Petrópolis, RJ. Vozes de
Bolso, 2022;
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 3° ed. São Paulo. Edipro,
2020;
PACHUKANIS, E. B. Teoria Geral do Direito e Marxismo. 1° ed. São Paulo. Boitempo, 2017.

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