Obra Prima da Música Popular Brasileira: Carlos, Erasmo

Carlos, Erasmo (1971)

Por Lucas Tavares


ARTISTA: Erasmo Carlos
PRODUÇÃO: Manuel Barenbein
GÊNERO: Rock, MPB, Soul
DURAÇÃO: 35:12
SELO: Philips
LANÇAMENTO: 1971

Com tudo e mais um pouco, Erasmo produz um triunfo, que abalou o Brasil no passado e retoma seu poder no hoje. 

Álbum Erasmo Carlos
Capa do álbum em Vinil

Fui procurar saber quem era o Erasmo após ouvir "É preciso dar um jeito, meu amigo", no filme "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles. Gostei tanto que decidi ouvir o álbum, e foi a melhor coisa que poderia ter feito. 

A primeira música lembra um samba com a guitarra num estilo funk fazendo magia, e uma cuica muito boa: "De Noite na Cama". A segunda música: "Masculino e Feminino", de Erasmo e Mariana Fossa, é uma balada linda, fenomenal, com uma guitarra no fundo fazendo slides ou na pentatônica, acompanhando um violão que combina perfeitamente com a voz de ambos, que se repartem fazendo uma coordenação perfeita. A terceira faixa é a que me fez ouvir o álbum, com uma clara referência às necessidades de lutar contra a ditadura, mas com uma suavidade que a impedia de ser censurada, podendo ser relacionada a lutar ante qualquer realidade desafiadora ou autoritária. É sobre não ficar calado, sair da zona de conforto e agir contra o absurdo: "É preciso dar um jeito, meu amigo". 

Algo que amei no álbum é a presença da guitarra estilo George Harrison, não sei se o Erasmo o ouvia, e uma guitarra crunshada às vezes para ditar o tom que a música necessita. Além disso, a música tem sopros no final, com uma subida melódica dessa guitarra crunshada no estilo funk, repetindo e abafando, e Erasmo repetindo que é preciso dar um jeito. 

Depois, com um piano e o baixo fazendo a marcação, e uma guitarra realizando um solo perfeito, para dar vez a Dois Animais na Selva Suja da Rua. Um rock de verdade, com tudo que tem direito. Acho que já é perceptível que cada música apresenta um estilo único, ou a junção dos estilos. Eu li sobre o álbum e vi a incidência da Tropicália, que buscava aproximar a música dos aspectos da cultura popular, do samba, pop, rock e psicodelia (esta carregada pelos Mutantes, que amo de ante mão). Assim, propunha a fragmentação com a Bossa Nova, revolucionando e transfigurando toda a música brasileira. 

A música "Gente Aberta" me lembra MUITO "Eu Vou Ter Saudades" da banda O Terno, pelo menos no começo. Não sei se eles se basearam ou se Erasmo possui influência, mas eu achei muita, até na entrada da guitarra e a estridência da voz de Erasmo quando diz: eu vou, como o Tim Repetindo e a guitarra crunshada entrando em seguida. Se na crítica anterior eu falei de Montley Crue, temos uma guitarra com o Gain no Máximo, estilo Tony Iommi, e vozes como o Quarteto do Si, estilo Beach Boys, sabe? Tipo Coral, com as vozes juntas e depois combinando Chora Mais com Agora Ninguém Chora Mais, mano, essa música é uma maravilha. Sodoma e Gomorra... um épico lindo, que me lembrou "O meu país", de Zé Ramalho na Nação Nordestina. 

Em "Mundo Deserto", temos a abertura de um filme ou de uma baita cena de ação, com um riff magnífico, e uma junção da guitarra com sopros que entregam obra prima. "Não te quero santa" retoma o estilo empregado em "Menino, Menina", uma baladinha bem gostosa de ouvir, com no fundo o baixo e a bateria realizando as companhias, fazendo referência à fragmentação do Brasil sacralizado, cuja religião dominava o ser e o restringia de ser (bem no estilo sartreano mesmo, no mais abstrato resumo). "Ciça, Cecília" é um sambinha muito bom, estilo até Bossa Nova, com um pianinho acompanhando sopros e percussão, não se vê a presença da guitarra elétrica, mas, inovando em seu jeito de ser, com o coral presente. Na verdade, a guitarra aparece bem no fundinho fazendo um solo, mas clean, estilo soul. Música boa demais! 

"Em busca das canções perdidas" junta baixo, piano, coral, uma melodia melodramática, com um sopro no fundo que me lembrou as entradas de Morricone. Pode ser tratada como um épico que vai crescendo, dando vez à guitarra e à bateria dando o tom, aglutinando tudo em uma mutação única e sensacional. Depois vou ver quantas vezes falei magnífico e sensacional, 26 anos de vida normal vem com uma guitarra magnífica no começo, no "Arwn-Arwn" ou "Wah-Wah", juntando samba, rock e tudo mais, muito boa, propondo uma reflexão profunda sobre a passagem de tempo e a conformidade com a vida cotidiana, uma monotonia que acompanha o padrão de ser do capitalismo: trabalhar, ler jornal, e vai indo, no jeito naturalizado de ser. Tem uns efeitos Sci-fi bem bacana também. 

"Maria Joana" é um sambinha muito bom também. Acho que Erasmo ouviu Beach Boys para fazer esse álbum, ou os grupos de corais dos anos 60 e por aí. Inclusive, falando de tropicalismo, lembrei da noite de 67 ou 68 que fizeram a manifestação contra a guitarra elétrica e invasão do som estadunidense no Brasil, como se isso retirasse as raízes brasileiras ou que o internacional tomasse o lugar do nacional: o segundo de fato ocorreu, mas acho que foi algo pós anos 80, pois enquanto a Tropicália vivia e revolucionava, acho que o "americano" não tinha vez em solo tupiniquim. 

Para finalizar o álbum, temos "A Semana Inteira", com uma levada de violão e baixo muito boa, com uma bateria somente ditando o tom: música romântica de muito alto estilo, com o jeito romântico de ser com a entrada dos sopros. Uma daquelas músicas que se aprende para tocar para a amada, a fim de que se apaixone ou de ser fofo. Linda, linda, e linda toda a vida. Me lembrou, também, Roberto Carlos. 

"Você não pode nem imaginar  / O que causou em mim  / Esperar uma semana inteira / É tão ruim".

Um trecho que é a maior verdade, que começa após o tchau da pessoa que ama, e que somente passa com seu abraço, mas que retorna nos momentos finais que, mesmo juntos, possuem o sentimento da perda ou o cíclico de saudade.


Contra Capa em Vinil do álbum Carlos, Erasmo
Contra Capa em Vinil do álbum Carlos, Erasmo

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