Dias Perfeitos, por Nicholas Mello
Dias Perfeitos (2023) (Perfect Days)
Por
Nicholas Mello
DIREÇÃO: Wim Wenders
ELENCO: Koji Yakusho, Saori Yuki, Tokio Emoto, Aoi Yamada
ROTEIRO: Wim Wenders, Takuma Takasaki
PRODUÇÃO: Wim Wenders, Koji Ichihashi
MÚSICA: Pascal Schumacher
FOTOGRAFIA: Franz Lustig
MONTAGEM: Tanya Kerr
DIREÇÃO DE ARTE: Takeo Kimura
NOTA: 6
Wim Wenders sempre foi um cineasta que prezou pelo silêncio em seus
filmes. O diretor que admira os espaços entre as tomadas dos faroeste de John
Ford mais uma vez entrega uma obra introspectiva. Wenders é um dos poucos
realizadores em atividade que não sendo escravo do diálogo, consegue produzir
um filme de qualidade. Porém, como bem observou Rafael Amaral em sua critica no
site "Palavras de Cinema", se antes o diretor se notabilizou por
fazer filmes que "projetam uma forma de viver que recusa o circular, o
retorno e a repetição" - como "Die Angst des Tormanns beim
Elfmeter" (1972), "Alice in den Städten" (1974), "Im Lauf
der Zeit" (1976), "Der Stand der Dinge" (1982) e "Paris,
Texas" (1984) -, em "Perfec Days" há a exploração da rotina, da
repetição, o que faz o filme parecer, citando o referido crítico novamente,
"um estanho no ninho" dentro da filmografia de Wenders.
Os primeiros minutos de "Perfect Days" poderiam estar em um
filme do cinema mudo. A direção de Wenders e a montagem de Toni Froschhammer
quase que exclusivamente através da força das imagens constroem às minúcias
dentro da tela a rotina do protagonista, Hirayama (Kôji Yakusho): a arrumação
da cama ao acordar, a higiene matinal, o tratamento de seus vasos de plantas e
a partida em sua vã, após comprar um café em lata na máquina situada diante de
casa, para mais uma jornada de trabalho limpando os banheiros de Tóquio.
Harayama, ainda que esteja em um emprego medíocre, visto com maus olhos pela
sociedade - vide: a cena em que uma mãe, após Hirayama lhe entregar seu filho
pequeno que estava momentaneamente desaparecido, em vez de se mostrar grata,
tem apenas o impulso de limpar as mãos do garoto -, possui uma paz interior
resignada. Com diligência, ele limpa os banheiros da cidade e não se incomoda
em se retirar por alguns minutos para que algum cidadão faça as suas
necessidades, muito pelo contrário, ele aproveita esses momentos para observar
o seu entorno, principalmente para contemplar a natureza.
Hirayama possui um olhar muito especial em relação às coisas naturais,
algo que fica patente quando Wenders faz questão de com a câmera de Franz
Lustig, diretor de fotografia, enquadrar a Sky Tree, a torre mais alta do
mundo, mas o próprio protagonista não tem interesse em observá-la, preferindo
ver as árvores de verdade no parque. Nesse sentido, Hirayama segue uma
filosofia de vida que vai ao encontro daquilo que Alberto Caeiro, um dos
heterônimos de Fernando Pessoa, pregava em sua poesia: "O essencial é saber
ver,/ Saber ver sem estar a pensar,/ Saber ver quando se vê,/ E nem pensar
quando se vê/ Nem ver quando se pensa". Os versos retirados de "O
guardador de rebanhos" parecem ter sido escritos para o protagonista de
Wenders. Contudo, diferentemente de Caeiro, que não se importava com as pessoas
("Todo o mal do mundo vem de nos importamos uns com os outros,/ Quer para
fazer o bem, quer para fazer o mal."), Hirayama, apesar de espontaneamente
ter escolhido viver de modo solitário, não é um ser misantropo, como pontuou o
crítico Pablo Villaça, mas sim uma pessoa que possui um encantamento "pelo
comportamento alheio e pelos pequenos ou grandes dramas e alegrias que
testemunha em seu dia a dia".
O grande problema de "Perfec Days", no entanto, são os longos
minutos investidos por Wenders para reafirmar a estrutura repetitiva de seu
filme, algo que o espectador compreende logo no primeiro terço da obra. Se há
uma inspiração no cinema de Ozu, e nesse sentido Wenders presta uma bela
homenagem em intenção, o mesmo não pode ser dito do conteúdo do filme, pois o
diretor japonês retrata o seu cotidiano sem usar de uma narrativa iterativa
como faz o diretor alemão. Isso acaba por trazer uma previsibilidade para a
trama de "Perfect Days", algo que não ocorre, em boa medida, nos
filmes de Ozu, ainda que os temas tratados pelo realizador japonês sejam quase
sempre os mesmos. O jogo da velha que Hirayama disputa com um desconhecido
através de um papel que ele acha escondido num dos banheiros, a interação à
distância com o mendigo, a relação com os dois jovens, tudo é muito fácil de
intuir, nem sempre em como essas tramas serão resolvidas dentro do filme, mas
sim em um significado pretendido que fica claro desde o início, tornando
inócuas dentro da estrutura da história as sequências que envolvem esses
personagens.
Felizmente, no último ato, com a chegada da sobrinha, o filme cresce em
relevância mais uma vez, despertando de novo o interesse do espectador em
relação à obra. A relação entre tio e sobrinha não é de muitos diálogos, a
menina faz perguntas, é claro, como todo jovem que está descobrindo a vida, mas
tem um olhar parecido com o de Hirayama. Ela parece rejeitar a forma como sua
mãe vive, preferindo seguir uma vida desacelerada como seu tio. O choro de
Hirayama na última cena, ao som de Nina Simone, pode significar que levar uma
vida plena não afasta possíveis tristezas intermitentes, mas também leva a crer
que o protagonista pode estar prestes a abandonar em desespero sua tão preciosa
rotina.


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